A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar.
O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário, somente pode ser obra de um deus.
Jorge Luis Borges
Assim Borges demonstra porque a biblioteca é o próprio universo no conto A Biblioteca de Babel.
Assim também nós chegamos às bibliotecas públicas açorianas para articular a coleção, o arquivo e o projeto de conservação e de acumulação da memória com essa figura emblemática e metafórica que é a biblioteca.
No conto borgiano, é para a biblioteca que se dirige a sabedoria divina escrita no “livro total”, onde aparecem esclarecidos os “mistérios básicos da humanidade”.
O Bibliotecário, protagonista da narrativa, mantém a esperança, até a última frase do conto, de encontrar na biblioteca porto seguro e respostas às intrincadas dúvidas que surgem diante da amplidão intelectual e literária que o simples ato de ler produz.
Pensada nesse sentido, a biblioteca é um lugar de estabilidade, um território sólido e confiável. Afinal, nela encontra-se “tudo”, e esse “tudo” apresenta de uma forma muito singular o saber, a cultura, a memória e a informação. E não é apenas isso que indica a segurança desse espaço: além da biblioteca trazer um mundo inteiro confinado em um espaço reduzido, esse mundo está ordenado através de categorizações para que o leitor não corra o risco de se perder nos numerosos itinerários de leitura.
A essa biblioteca de Babel, fascinante e imaginária, juntam-se as bibliotecas açorianas. Bibliotecas reais que foram imaginadas e idealizadas para garantir a persistência do lugar da biblioteca como equivalente ao lugar da memória.
Sem dúvida, o vínculo das bibliotecas açorianas com a coleção e o arquivo já apontam alguns dos caminhos que podemos trilhar para articular os aspectos mais específicos de cada biblioteca. Para este fim, irei circunscrever o itinerário deste inventário às bibliotecas que possuem além do catálogo de livros disponíveis para empréstimo domiciliar, coleções, espólios e arquivos de documentos e de obras raras. Nesta categoria assim circunscrita, encontramos as Bibliotecas Públicas de Ponta Delgada (na Ilha de São Miguel), da Horta (na Ilha do Faial) e de Angra do Heroísmo (na ilha Terceira). Acerca das demais bibliotecas, serão assinaladas as suas valorosas contribuições para a conservação da memória dos livros nos Açores.